Magistrado rejeita a acusação feita pelo Executivo de que os servidores públicos são privilegiados por terem aposentadoria melhor, apontando que a categoria contribui mais ao longo da carreira para obter o benefício

Anajus Notícias
21/01/2020

Há espaços para analista ascender na carreira e virar magistrado, apesar de grande concorrência e constante atualização legislativa. Há vários exemplos de ponta a ponta no país, especialmente por conta dos difíceis concursos para magistrados que ocorrem todo ano nas instituições do Judiciário. O ex-analista judiciário Lucas Rosendo é um exemplo. Ele tomou posse no dia 19 de novembro de 2019, como novo integrante do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Piauí, com orgulho de exercer a função de servidor público e determinado a fazer o melhor nas eleições municipais de 2020. “É preciso ter vocação para ser servidor público”, afirmou em entrevista ao Anajus Notícias, sem deixar de responder aos ataques frequentes do governo ao funcionalismo, a exemplo dos usados para justificar as reformas previdenciária e administrativa.

“Por exemplo, dizer que somos privilegiados, por termos uma aposentadoria maior, é meio retórico, é falacioso, porque o servidor público recebe mais porque contribui mais”, afirmou o magistrado, contestando um dos argumentos defendidos pela atual econômica e em governos anteriores. Ele também criticou a ideia central da reforma administrativa, que deve ser enviada em fevereiro ao Congresso Nacional, prevendo, entre outras coisas, o fim da estabilidade para os futuros servidores.

“O fim da estabilidade é um elemento que interessa mais ao destinatário do serviço do que ao servidor. Isso foi colocado de forma superficial, como se fosse um privilégio do servidor, mas, na verdade, é uma garantia de que o servidor vai apresentar o serviço conforme o direito, conforme o interesse público, sem se submeter a pressões de ordem econômica e política”, detalhou.

Vocação

Para ser servidor público, é preciso ter vocação, destacou o juiz. “Muita gente acha que o serviço público é um lugar fácil de estar, que terá uma bela aposentadoria e ponto. Mas não é bem assim, é preciso ter vocação para isso. É preciso ter o espírito do servidor público, querer servir. Colaborar com o serviço, com dedicação e produtividade”, comentou.

O magistrado vê o serviço público como essencial para o desenvolvimento do regime democrático e da sociedade como um todo. Na avaliação dele,  quem opta por esse caminho deve estar comprometido com essa causa. “Tem gente descompromissada em qualquer lugar, mas o princípio básico é a vocação”, disse.

Aperfeiçoamento x vilinização

Para o juiz federal, a proposta da reforma administrativa é equivocada por colocar o próprio servidor público como fonte dos problemas fiscais que acometem todos os governos. Segundo Rosendo, o que precisa ser feito é um aperfeiçoamento dos instrumentos utilizados pelo e para o funcionário. Disse acreditar que, na forma como a questão está sendo colocada para a opinião pública, o servidor sai vilanizado e a sociedade,  prejudicada. “Por exemplo, um servidor pode, sim, ser demitido e exonerado. Ele não é absoluto. O que precisa ocorrer é um aperfeiçoamento desses instrumentos”, explicou.

O ex-analista judiciário entende que a discussão sobre previdência atinge a toda sociedade e precisava ser mais bem debatida. “Não poderia ter sido feita de forma tão rápida, sem o aprofundamento de questões. E baseada, muitas vezes, em afirmações que não são reais”, acrescentou, referindo-se à aposentadoria maior dos servidores por conta da contribuição mais elevada, que deve passar de 11% para 14% a partir de março deste ano e que é alvo de vários ações no Supremo Tribunal Federal.

“Tanto que muitos outros setores, como na própria administração, na administração indireta de empresas públicas, de estatais, têm grandes remunerações e contribuem pouco porque o limite do teto da previdência não é compatível. Então, se a gente fizer um calculo de proporção, não tem nada de privilégio, é justo que quem contribui mais tenha um benefício maior”,acrescentou.

Carreira

Servidor há quase 30 anos, somente no Judiciário, Rosendo passou pela primeira vez em 1992, para técnico judiciário na própria Justiça Federal no Piauí. Mais tarde, foi aprovado em concurso para analista no TRE do Maranhão, onde ficou até 1999, quando foi aprovado para juiz do Tribunal de Justiça do Maranhão.

“E pouco depois, cerca de um ano, eu fiz concurso para juiz federal. Passei e rodei algumas seções judiciárias no Pará e no Maranhão e em algumas subseções, como em Imperatriz (MA), Parnaíba (PI) e finalmente eu estou aqui em Teresina, lotado na turma recursal dos juizados especiais federais. E atualmente estou também exercendo a função de diretor do fórum, na nossa seccional”, comentou.

Rosendo optou pela carreira pública, também, devido à estrutura econômica mais tímida do estado do Piauí, no início da década de 90. “O mercado era muito complicado. Se queríamos uma condição melhor, o caminho era o serviço público. É claro que ingressei ciente dos deveres do servidor, da importância do nosso trabalho, mas também pensei na estabilidade, que foi um fator de atração”, argumentou.

Para o magistrado, passar em concurso público hoje virou uma tarefa mais desafiadora. “Eu me preparei sozinho. Sem curso preparatório. Autodidata. E hoje há uma série de cursos e aumentam o nível da concorrência. Com certeza está mais difícil de passar em uma prova. O nível de exigência e a concorrência estão mais acirrados. Os conteúdos programáticos têm sido ampliados de um tempo pra cá e o que eu vejo mais complicado nesse aspecto é a constante atualização legislativa, precisa estar sempre estudando, se preparando”, acrescentou o magistrado.

“Do outro lado, a concorrência cresceu. O número de pessoas prestando concurso é maior e a qualidade dos concorrentes é maior porque temos muitos cursos preparatórios”, concluiu.